As manifestações populares que estão ocorrendo no Brasil em geral,
e em Alfenas em particular, precisam ser analisadas, interpretadas e,
sobretudo, ouvidas com atenção.
De início, é preciso enfatizar que
violência, depredação e saque, além de não servirem para o objetivo das
manifestações, são um atentado contra o Estado Democrático. A repressão abusiva
e truculenta das forças de segurança a serviço do Estado também é um terrível
desrespeito à liberdade constitucional. Criar cadáveres e incitar a violência é
prejudicial ao aperfeiçoamento e ao aprofundamento da democracia, que se faz
nas ruas sim, com pressão e reivindicações.
De outro lado, a nossa democracia é ainda
jovem, quase criança, e precisa de cuidados especiais. Não devemos esquecer que
marchas capitaneadas, especialmente pela classe média, e manipuladas por
setores conservadores já foram usadas para um golpe de estado, permitindo a
deposição truculenta de um Presidente eleito democraticamente e a subida ao
poder de um sanguinolento regime militar. A sabedoria popular nos ensina que é
preciso por "um olho no peixe e outro olho no gato". E tal
preocupação se evidencia quando se vê que as depredações e os saques em geral,
além de atentados (simbólicos?) contra prédios públicos, como o do Itamaraty,
que conduz uma política externa brasileira independente, somente podem
interessar a grupos retrógados, fascistas ou agentes estrangeiros querendo
fragilizar as posições independentes brasileiras no teatro geopolítico
internacional.
No geral, as manifestações são saudáveis,
expressam preocupações importantes, notadamente da juventude, e questionam, com
razão, vários tentáculos da estrutura de poder no Brasil. Estão forçando
agendas positivas por parte dos governos e isso é uma grandiosa vitória. Por
elas, os governos começam a rever o sistema de serviços públicos, que são
prestados através de concessionárias. Isso se transformou num excelente negócio
para os poucos empresários premiados com essas concessões, enquanto para a
população o negócio é péssimo. Transporte público precário e de alto custo,
pedágios extorsivos nas estradas construídas com os impostos pagos pela
população, sistema de saúde na hora da morte e outras muitas falhas no
atendimento à população. Tudo isso exige que se coloquem em pauta questões
inversas ao que se construiu no modelo neoliberal. Precisamos de um Estado
presente e prestador de serviços de qualidade, gratuitos de preferência.
O passe livre, para quem não entendeu a
mensagem dos precursores do movimento que sacudiu o Brasil, diz isso: “uma vida
sem catracas".
Vê-se, assim, que o movimento é político,
embora "apartidário", ou seja, não pertencente a nenhum partido. Mas
não é antipartidário, pois, se fosse, seria sinônimo de ditadura ou de
anarquismo. Penso que os que querem conduzir as manifestações para esse lado
estão infelizmente mais propensos à ditadura do que ao anarquismo. Pode ser que
estejam confundindo os vocábulos: apartidário e antipartidário.
Agora, deixar de se observar que os
movimentos, com razão, questionam veementemente os partidos políticos
tradicionais e a forma com que está sendo conduzida a política partidária é
sintoma da mais absoluta cegueira. Daí, a reforma política se faz imperiosa,
incluindo-se nela, no mínimo, a eliminação do financiamento privado das
campanhas (sim, sepultar o uso do "caixa 2" e as promíscuas relações
do poder econômico com os postulantes aos cargos públicos). Importante que se
reflita, inclusive, sobre o fim da reeleição - instituto tão maléfico à ética e
à Administração, criado de forma oportunista - que permite uma simbiose
despudorada entre candidato e governante, entre administração e governo.
A grande mídia comete o erro de fechar olhos
e ouvidos para o grito que vem das ruas. Ela também está sendo questionada. Não
é à toa que os jovens gritam por todo o Brasil que o "povo não é bobo,
abaixo a Rede Globo". Os articulistas dos grandes meios de comunicação, com
sua arrogância peculiar, estão a julgar tudo e todos. Eles se esquecem de
julgar a si próprios. Não há democracia quando cinco empresas dominam quase a
totalidade dos meios de comunicação de massa, todas com a mesma linha política
e ideológica, agindo muitas vezes de forma leviana em prol de seus interesses.
Os canais de rádio e televisão são concessões públicas também.
Em suma: um ator outrora esquecido voltou à
cena, fazendo com que as engrenagens do poder corram para funcionar. O povo,
especialmente os jovens e estudantes, está novamente fazendo a história. É um
fato inquestionável e louvável e por isso voltei às ruas, hoje como Presidente
da OAB de Alfenas, da mesma forma com que marchei no início dos anos de 1990,
com o rosto pintado. Que a história siga o caminho do avanço, do aprofundamento
e do aperfeiçoamento da democracia e da melhoria das conquistas sociais. Vamos
às ruas, sim, levando estas bandeiras transformadoras. Para seguir adiante e
não retroceder às ditaduras ou ao neoliberalismo.
DANIEL MURAD RAMOS - foi membro
do movimento estudantil em Belo Horizonte e Alfenas no final dos anos 80 e
durante a década de 90. É advogado militante desde 1998. Atualmente é
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de Alfenas.