sexta-feira, 28 de junho de 2013

Sobre as manifestações populares

 As manifestações populares que estão ocorrendo no Brasil em geral, e em Alfenas em particular, precisam ser analisadas, interpretadas e, sobretudo, ouvidas com atenção.
                                        
 De início, é preciso enfatizar que violência, depredação e saque, além de não servirem para o objetivo das manifestações, são um atentado contra o Estado Democrático. A repressão abusiva e truculenta das forças de segurança a serviço do Estado também é um terrível desrespeito à liberdade constitucional. Criar cadáveres e incitar a violência é prejudicial ao aperfeiçoamento e ao aprofundamento da democracia, que se faz nas ruas sim, com pressão e reivindicações.

De outro lado, a nossa democracia é ainda jovem, quase criança, e precisa de cuidados especiais. Não devemos esquecer que marchas capitaneadas, especialmente pela classe média, e manipuladas por setores conservadores já foram usadas para um golpe de estado, permitindo a deposição truculenta de um Presidente eleito democraticamente e a subida ao poder de um sanguinolento regime militar. A sabedoria popular nos ensina que é preciso por "um olho no peixe e outro olho no gato". E tal preocupação se evidencia quando se vê que as depredações e os saques em geral, além de atentados (simbólicos?) contra prédios públicos, como o do Itamaraty, que conduz uma política externa brasileira independente, somente podem interessar a grupos retrógados, fascistas ou agentes estrangeiros querendo fragilizar as posições independentes brasileiras no teatro geopolítico internacional.

No geral, as manifestações são saudáveis, expressam preocupações importantes, notadamente da juventude, e questionam, com razão, vários tentáculos da estrutura de poder no Brasil. Estão forçando agendas positivas por parte dos governos e isso é uma grandiosa vitória. Por elas, os governos começam a rever o sistema de serviços públicos, que são prestados através de concessionárias. Isso se transformou num excelente negócio para os poucos empresários premiados com essas concessões, enquanto para a população o negócio é péssimo. Transporte público precário e de alto custo, pedágios extorsivos nas estradas construídas com os impostos pagos pela população, sistema de saúde na hora da morte e outras muitas falhas no atendimento à população. Tudo isso exige que se coloquem em pauta questões inversas ao que se construiu no modelo neoliberal. Precisamos de um Estado presente e prestador de serviços de qualidade, gratuitos de preferência.
                                    
O passe livre, para quem não entendeu a mensagem dos precursores do movimento que sacudiu o Brasil, diz isso: “uma vida sem catracas".

Vê-se, assim, que o movimento é político, embora "apartidário", ou seja, não pertencente a nenhum partido. Mas não é antipartidário, pois, se fosse, seria sinônimo de ditadura ou de anarquismo. Penso que os que querem conduzir as manifestações para esse lado estão infelizmente mais propensos à ditadura do que ao anarquismo. Pode ser que estejam confundindo os vocábulos: apartidário e antipartidário.

Agora, deixar de se observar que os movimentos, com razão, questionam veementemente os partidos políticos tradicionais e a forma com que está sendo conduzida a política partidária é sintoma da mais absoluta cegueira. Daí, a reforma política se faz imperiosa, incluindo-se nela, no mínimo, a eliminação do financiamento privado das campanhas (sim, sepultar o uso do "caixa 2" e as promíscuas relações do poder econômico com os postulantes aos cargos públicos). Importante que se reflita, inclusive, sobre o fim da reeleição - instituto tão maléfico à ética e à Administração, criado de forma oportunista - que permite uma simbiose despudorada entre candidato e governante, entre administração e governo.

A grande mídia comete o erro de fechar olhos e ouvidos para o grito que vem das ruas. Ela também está sendo questionada. Não é à toa que os jovens gritam por todo o Brasil que o "povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". Os articulistas dos grandes meios de comunicação, com sua arrogância peculiar, estão a julgar tudo e todos. Eles se esquecem de julgar a si próprios. Não há democracia quando cinco empresas dominam quase a totalidade dos meios de comunicação de massa, todas com a mesma linha política e ideológica, agindo muitas vezes de forma leviana em prol de seus interesses. Os canais de rádio e televisão são concessões públicas também.
                                              
Em suma: um ator outrora esquecido voltou à cena, fazendo com que as engrenagens do poder corram para funcionar. O povo, especialmente os jovens e estudantes, está novamente fazendo a história. É um fato inquestionável e louvável e por isso voltei às ruas, hoje como Presidente da OAB de Alfenas, da mesma forma com que marchei no início dos anos de 1990, com o rosto pintado. Que a história siga o caminho do avanço, do aprofundamento e do aperfeiçoamento da democracia e da melhoria das conquistas sociais. Vamos às ruas, sim, levando estas bandeiras transformadoras. Para seguir adiante e não retroceder às ditaduras ou ao neoliberalismo.


                   DANIEL MURAD RAMOS - foi membro do movimento estudantil em Belo Horizonte e Alfenas no final dos anos 80 e durante a década de 90. É advogado militante desde 1998. Atualmente é Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de Alfenas.





























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